As invasões mongóis do Japão | A conquista de Tsushima e Iki (1274)

 

INTRODUÇÃO

Em 1274 os Mongóis controlavam o maior Império da história até então. Depois de esmagarem as dinastias chinesas, a Ásia Central, os impérios muçulmanos, os príncipes eslavos, o Cáucaso, parte do Império Bizantino e a Coreia, agora restava apenas um conjunto de ilhas no nordeste para toda a Ásia Oriental cair sob o jugo dos Khans.

O Japão, parcialmente dominado pelo Shogunato Kamakura, após negar quiser ofertas de submissão, se tornava então alvo da ambição de Kublai Khan.

E assim começaram as invasões mongóis do Japão.

 

1 – Prelúdio da Invasão

 

Durante o século XIII, as tribos nômades da Mongólia, unificadas sob a liderança de Gengis Khan, conquistaram a maior parte da Eurásia, redesenhando todo o mapa do continente.

O Japão, no entanto, por mais de 70 anos ficou às margens disso. E apesar de trocas comerciais bastante intensas não nenhuma relação diplomática oficial com a China ou a Coreia.

Isso acabaria quando a Império Mongol voltou seus olhos ao arquipélago nipônico e decidiu eles deveriam ser persuadidos ou forçados a entrar na política internacional.

Em 1260, após a pacificação da península coreana, Khubilai, que fora elegido o Khan dos Khans, a usou como trampolim para ameaçar o Japão. Em 1266, emissários a serviço dos mongóis enviaram uma requisição formal de subserviência ao Japão.

Eles foram enviados à Kyoto, onde iria tratar com o Imperador do Japão, mal sabiam eles que o imperador era muito mais uma figura religiosa do que política nessa altura do campeonato. 

Isso porque desde as Guerras Gempei que aconteceram quase um século antes, o Japão era governado pelos clãs militares localizados em Kamakura. E como se isso não fosse suficientemente bizarro, em 1266 o centro poder tinha há muito migrado da família Minamoto, que eram formalmente os Shogun, para os Hojo que governavam o país como os Shikken ou Regentes.

Ao contrário do que havia sido feito em outros lugares, essa carta até parecia bem cortêz, isso para os padrões genocidas dos mongóis pelo menos.

Nela, Khubilai era chamado de “mestre de todo o universo” e que assim como a Coreia se submeteu ao império, o Japão deveria fazê-lo. Até tinham uma velada ameaça aos nipônicos como na passagem: 

“Que tenhamos relações amigáveis. Afinal, quem deseja recorrer às armas?”

Khubilai aparentemente temia uma aliança entre japoneses e coreanos com a dinastia Sung, que ainda não havia sido completamente derrotada. Um levante na península com o apoio de tropas do arquipélago abriria um flanco pouco protegido e poderia levá-lo a lutar em 2 frentes, além do Japão fazer bastante comércio com os Song. Daí a razão para a maneira tão polida que tratou os japoneses.

Todas as lideranças do Japão, no entanto, foram unânimes no seu silêncio.

E já em 1268 a corte japonesa era abertamente contrária aos mongóis. Kamakura começou a mobilizar suas tropas para que ficassem sob alta vigilância. Enquanto isso, Khubilai ordenou a criação de uma força tarefa para a subjugação do Japão. Nela, a principal tarefa seria  a fabricação de 1000 navios, mas esse projeto acabou se mostrando muito pesado para a combalida economia coreana.

Por causa disso, em 1270 um levante explodiu na Coreia. Os mongóis levaram alguns meses para esmagá-lo com apenas alguns focos de resistência na ilha Jeju resistindo após 1271.

Novamente um emissário mongol foi enviado ao Japão, levando uma carta que exaltava os japoneses como “um país conhecido pela sua erudição e etiqueta”.

No entanto, após mais de um ano residindo no país, o emissário tinha uma opinião diametralmente oposta “Os japoneses são cruéis e sanguinários. Não reconhecem os laços entre pai e filho ou etiqueta que perpassa as relações entre superiores e inferiores”.

Parte dessa opinião azeda advém do fato dos japoneses terem ignorado a proposta amizade do Grande Khan durante todo esse tempo e não tratado o emissário da forma que ele achava que deveriam.

Nesse mesmo ano, Khubilai fundou a dinastia Yuan solidificando seu domínio sobre a vastidão territorial Chinesa confirmado pelo Mandato Celestial. 

Em 1273, o príncipe herdeiro da Coreia se casou com a filha de Khubilai Khan e a resistência coreana cessou de vez.

Os coreanos agora se aliavam ao vasto império, algo que se arrependeriam amargamente no futuro, pois os mongóis não eram mestres misericordiosos.

Enquanto isso a linha de defesa Sung do Sul estava próxima ao colapso. 

Com a Coreia a China asseguradas, era a vez do Japão cair sob o jugo mongol da dinastia Yuan.

Antes da invasão, uma missão com 70 coreanos e mongóis aportou em Tsushima e demandou uma resposta à carta do Khan. A corte imperial até quis responder, mas Kamakura mandou as crianças de Kyoto sentarem no banco do passageiro.

Embora tenham enviado uma mensagem bem amistosa, ela se referia ao “Rei do Japão” e em oposição ao “Grande Imperador dos Mongóis” essa suposta falta de respeito intencional irou os japoneses.

Os emissários então voltaram à China com 2 habitantes de Tsushima sequestrados para pudessem admirar o esplendor e poder da dinastia Mongol. Eles então foram devolvidos à ilha para que espalhassem a notícia.

Após algum tempo, uma resposta japonesa até foi escrita, mas nunca entregue. Ela não mudaria muita coisa, pois seu conteúdo indicava uma rejeição resoluta das demandas mongóis e afirmava orgulhosamente que o Japão era um país sob proteção divina.

Ao passo que a frota mongol era construída, O Xogunato Kamakura mobilizou suas forças na ilha de Kyushu em 1274 e ordenou a preparação de linhas de defesa esperando a agora inevitável invasão.

Essa seria a primeira operação anfíbia em larga escala de um Império cuja grande classe dominante sequer havia visto o mar na vida.

Enfrentando esse império estava o quase isolado Japão.

 

2 – Invasão das Ilhas Tsushima e Iki

O plano Mongol fazer invasões relâmpago nas ilhas de Tsushima e Iki, assegurando seus flancos e linhas de comunicação. Eles então fariam um desembarque anfíbio Em Kyushu, na Baía de Hakata. Essas forças então empurrariam os japoneses para o nordeste.

A estratégia japonesa, alimentada por uma excelente rede de inteligência, era contestar as forças de invasão  em todos os pontos de pressão usando os guerreiros locais. Empurrando as forças mongois de volta para o mar antes que conseguissem assegurar as cabeças de praia.

Os defensores no entanto, parecem ter sido surpreendidos com a invasão.

Os números dados pelos relatos de ambos os lados estão bem longe da realidade. Felizmente, com o desenvolvimento de novas técnicas historiográficas, conseguimos ter uma noção mais acurada dos números.

Segundo Ishii Sumusu, a força expedicionária consistia em 15 mil soldados Yuan e 8.000 coreanos totalizando 23 mil homens, somados 67 mil tripulantes, servos e pessoal não combatente.

Os japoneses tinham cerca de 6.000 soldados para resistir à invasão, mas apenas metade deles eram tropas profissionais de primeiro nível.

Um pequeno detalhe que precisa ser falado antes da campanha em sí é a natureza ímpar dos conflitos por ilhas. 

Ao contrário da uma batalha comum na antiguidade, onde as 2 forças poderiam se digladiar em um campo com muito mais clareza. Os conflitos desse tipo se parecem muito mais com operações militares contemporâneas, inclusive temos a série de vídeos sobre a conquista do Reino Ryukyu pelo Japão que deve aparecer nos vídeos indicados.

Nesse tipo de conflito, as forças defensivas têm a vantagem tática, pois podem empurrar o inimigo de volta para o mar, e como este não tem com fazer uma retirada organizada, geralmente sofre muitas baixas, além é claro da capacidade do defensor de se fortificar.

No entanto, a vantagem estratégica está toda nas mãos do invasor, pois ele tem a iniciativa e pode escolher como irá dispor suas forças e concentrá-las em pontos específicos, enquanto o defensor é obrigado a dispersá-las pelas diversas ilhas e portos.

Essa dinâmica pode ser observada desde a Guerra do Peloponeso, passando pelos conflitos no Caribe até a Guerra no Pacífico dentro do contexto Segunda Guerra Mundial.

Em 2 de Novembro de 1274, a Invasão do Japão começa com a frota partindo para invadir a Ilha de Tsushima que fica no estreito o arquipélago nipônico e a península coreana.

Tsushima consiste em 2 ilhas principais divididas por um pequeno estreito. E os ataques mongóis foram direcionados em 4 pontos.

Dois desembarques foram realizados na ilha norte e outro no estreito para divergirem as forças defensivas da invasão principal na área de Sasuura na Ilha meridional. 

Lá eles avançaram sobre uma praia arenosa chamada Komoda.

Os mongóis enviaram 8.000 soldados para o avanço principal enquanto os japoneses tinham 80 guerreiros nobres montados apoiados por cerca de 500 soldados.

Para a sorte dos japoneses, a frota foi avistada durante o entardecer do dia 4 de Novembro o que de algum tempo para que os japoneses pudessem organizar apressadamente as defesas de Tsushima.

O campo de batalha tinha certa importância religiosa para os japoneses, pois era um dos lugares que os deuses, os Kami, se envolviam com os homens.

De todos os Kami, um dos mais respeitado pelos samurai era Hachiman, o Deus protetor dos guerreiros e da guerra. No mesmo dia que os mongóis foram avistados, um santuário de Hachiman em Tsushima pegou fogo. Após tem o apagado, os japoneses notaram que diversas pombas brancas pousaram nele, o que foi visto como um excelente presságio e que as chamas foram um meio do Kami os avisar do perigo iminente.

Graças a descoberta da frota, os japoneses puderam mover suas forças para guarnecerem a praia de Komoda.

O mongóis então desembarcaram na manhã de 5 de Novembro.

O comandante japonês até tinha levado um intérprete, mas os mongóis não queriam saber de conversa e assim que estavam ao alcance, dispararam suas flechas sobre os japoneses enquanto a primeira onda composta por 1000 soldados invadiam a praia.

Os japoneses imediatamente contraatacaram, matando muitos mongóis e coreanos, dada a excelente habilidade de tiro com o arco dos samurai em Tsushima.

Um dos comandantes japoneses morreu no meio da luta ao ser atingido com uma pedra lançada de uma catapulta montada em um dos barcos dos Yuan.

Apesar da sua bravura e superioridade técnica, os japoneses foram obliterados pelo vasto número e excelente coordenação tática dos mongóis. 

Cerca de metade dos samurai e auxiliares pereceram nessa batalha.

Como relata um dos participantes:

“Sukekuni atirou suas flechas, matando os bandidos, pagando dez no total. Além disso, So Umajiro atirou contra um general na vanguarda e matou esse homem também. Sukekuni então galopou adiante, inspirando seus homens e atacou as forças mongóis e chinesas. Os soldados da província foram encorajados e lutaram ferozmente, cortando profundamente a horda. A batalha durou até a Hora do Dragão, quando finalmente foram derrotados e Sukekuni caiu morto.”

Enquanto tudo isso rolava, dois japonesas conseguiram furar o bloqueio mongol e levar a mensagem para o Japão de que agora estavam em guerra.

Após os remanescentes terem sido caçados e aniquilados, o exército mongol então incendiou todas as vilas ao redor de Sasuura e massacraram quase todos os aldeões.

Logo os massacres se espalharam por toda a ilha.

Depois de alguns dias destruindo a resistência, os mongóis deixaram Tsushima devastada e sua população completamente aterrorizada pela crueldade dos invasores.

Foi então que em 13 de Novembro eles avançaram para a ilha de Iki, muito menor que Tsushima, mas vital para a campanha em Kyushu.

A invasão foi feita no norte da Ilha.

Dessa vez, os japoneses tiveram algum tempo para se preparar. 

O castelo de Hinotsume, que nem de perto se parecia com os grandes castelos que conhecemos era a base de operações da defesa da ilha.

Lá as mulheres e famílias dos samurai se protegeram enquanto eles foram enfrentar os invasores na praia.

Agora os japoneses tinham cerca de 100 guerreiros montados e algumas centenas de tropas auxiliares.

Mas às defesas de Iki diferente das de Tsushima, não foram dizimadas pelos mongóis.

Mesmo tomando muitas baixas, conseguiram segurar a praia, ao anoitecer, vendo que não poderiam continuar, os mongóis se retiraram para os navios para descansarem e reagruparem.

Os japoneses, então com medo de serem aniquilados, recuaram para o castelo. Inspirados pela vitória, os japoneses esperavam defender o castelo até que reforços de Kyushu chegassem para socorrê-los.

Pela manhã, o vasto exército mongol os cercou. Até mesmo as mulheres se preparam para lutar na defesa do castelo.

Apenas uma foi poupada, a filha de Taira Kagetaka comandante japonês, que a enviou para Kyushu junto de um de seus samurai.

Após algumas horas de assalto, os mongóis conseguiram arrebentar o portão do castelo, mas Kagetaka estava pronto para se lançar uma carga de cavalaria final contra o inimigo.

Mas ficou aterrorizado ,pois para o seu terror, ele viu uma cena que deveria parecer ter sido tirada do inferno.

Um escudo humano feito com as mulheres da ilha, suas palmas das mãos furadas no meio e uma longa corda passando por dentro dos buracos.

Ao se deparar com dúzias das suas compatriotas usadas como escudos humanos, ele e seus homens abandonaram os arcos,  brandiram suas espadas e avançaram sobre a horda mongol.

Após algum tempo de luta, eles foram aniquilados.

Kagetaka então recuou para as defesas internas do castelo e cometeu suicídio junto de toda sua família. 

Com a resistência derrotada, Iki foi tomada. Alguns dos capturados sobreviventes também tiveram suas mãos furadas e com cordas passando por elas junto das mulheres foram amarrados no casco dos navios que agora partiam para conquistar Kyushu.


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