Resenha – Carta no Coturno: a volta do partido fardado ao Brasil

Em primeiro lugar, é preciso saber uma coisa sobre os autores, são de esquerda.

Mas pesquisando no site Opera onde eles publicam e pelo próprio conteúdo do livro, você pode notar que destoam bastante de muitas narrativas estabelecidas por esse lado, na verdade, são abertamente críticos e por vezes de maneira bem dura.

O livro trata do aumento da influência dos militares na política institucional e também por baixo dos panos do Brasil.

Um dos pontos é que ela nunca foi exatamente zerada, mas apenas que está tomando mais força e esquentando seus músculos.

A política, como falsificação da guerra, deveria ser tratada como tal, apesar disso, muitos líderes ainda se apegam a relíquias do passado ou uma ideia de que as instituições de alguém forma tivessem poder para segurar ações violentas que buscam a romper de um ou outro lado.

No caso brasileiro, precisamente da direita, uma vez que as Forças Armadas, sobretudo o exército, possuem um alinhamento claro nesse quesito e no que tangem as relações internacionais.

Nesse caso, a dominância dos Estados Unidos na nossa região e, por consequência, sobre nosso país é normalizada e naturalizada, enquanto as investidas de outras potências na região são tidas como ameaças.

É quase como se voltássemos a 1948 na presidência do General Dutra quando consolidamos nossa posição como sargento dos Estados Unidos na América Latina.

Mas o que seria essa Carta no Coturno?

Bem, ela seria uma opção na manga, ou no coturno, que as elites guardam para si no caso da política institucional brasileira ir contra seus interesses. Isto é, enquanto Bolsonaro  ou qualquer outro político economicamente liberal for popular e continuar avançando as reformas que claramente têm um grupo beneficiado, a farsa da política tem permissão de existir.

No entanto, esses militares que atuam sob auspícios dourados de democratas e amantes da legalidade, estão sempre preparados para destruir esse sistema, se não de maneira prática, pelo menos com o uso da retórica através de ameaças e chantagens.

Bolsonaro, estando no topo da estrutura do governo, é visto então como uma limitação ao projeto militar, dada sua suposta incapacidade de resolver problemas e a pesada influência que Olavo de Carvalho tem sobre ele e seus filhos.

Apesar desse despreparo, as frases polêmicas de Bolsonaro o tornam popular por se mais sincero do que outros políticos, embora isso também lhe crie uma rejeição muito alta. Mesmo assim, o fato de apoiar as reformas liberalizantes no campo econômico o tornam palatável para a elite brasileira, buscando ainda mais expandir seu poder e taxas de lucro.

Os militares brasileiros são muito bem versados em autores como Gramsi, embora prefiram publicar Thatcher, e entendem de hegemonia.

Através de usa editora eles disputam a História que estaria contaminada pelos vermelhos nas universidades. O livro por ser de esquerda, não vai muito longe nesse aspecto, mas com certeza, o fato da esquerda ser hegemônica em quase todos os campos de estudo das humanidades no Brasil cria uma necessidade de pessoas de direita, sobretudo os militares, publicarem em outros lugares.

Claro, essa batalha ideológica é praticamente toda feita com nosso suado dinheiro e só desce a nós através das versões mais embrutecidas e insultuosamente simplificadas possíveis.

Acabamos com o tiozão idiotizado pedindo um golpe militar para salvar o país – algo que indubitável certeza deu certo em todo e qualquer lugar já tentado, peguemos os exemplos da Somália, Egito, Espanha e Myanmar, todos países que melhoraram seus padrões de vida e índices de corrupção em escalas inimagináveis após os militares tomarem o poder pela força #SQN.

Do outro lado, como muito bem critica o livro, temos a esquerda mais jovem, alheia às questões de estratégia militar que acha que a revolução socialista é algo materialmente possível em um moderado espaço de tempo e a esquerda mais institucional, representada por Lula e o PT, cuja incapacidade de ver que os militares no Brasil de hoje têm um lado claro, acabam sempre se ferrando.

O livro também é bem crítico das ações tomadas pelos últimos governos de chamarem os militares para fazerem ações de polícia sempre que precisam, sobretudo no governo Temer, com a intervenção no Rio de Janeiro. Uma vez que elas não servem a nenhum propósito que não distanciar ainda mais a instituição do povo, uma vez que esse vira seu inimigo.

Mas os militares não apoiam o poder da elite econômica por que são malvados ou naturalmente subservientes, na verdade, até justificam como algo positivo.

Na realidade, a estabilidade é o principal objetivo deles e segundo os autores:

“Aos amantes da estabilidade acima de todas as coisas, ordenamento lhes servir. […] é melhor viver no porto-seguro da miséria, ou seja jogar nas águas turbulentas a busca de novos peixes?

Outra questão levantada é o suposto entendimento dos militares que estes não são o maior poder no Brasil e que se a elite assim o quiser, poderia destruí-los pouco a pouco, por isso, ao invés de serem varridos por essas elites, preferem eles tomar o leme e fazerem as próprias reformas, garantindo seus benefícios, carreiras e padrões de vida.

Percebo que eles realmente acham que as instituições militares brasileiras podem ser diferentes.

Os autores tomam uma grande parcela do livro para falar do general prussiano Carl von Clausewitz e sua tese sobre a Guerra Total e sua trindade.

Sem dúvidas, o militar prussiano é indispensável para se entender a política, sobretudo em um país no qual as relações de poder são completamente desnudadas, uma vez que não raramente temos ações violentas de grupos dentro do próprio Estado, forças militares quase autônomas em suas principais decisões internas e instituições tão frágeis quanto mesquinhas.

O livro trás a tona que é necessário a todos que pretendem entender e atuar de maneira inteligente na política brasileira que se conheça os conceitos mais contemporâneos de conflitos armados, como Guerra 4.0, Guerras Híbridas e Revoluções Coloridas.

Além disso, demonstram o quão indispensável é a leitura de pensadores como Clawsewitz e o debate que sua obra suscita.

Não apenas isso, é necessário que saibamos o que os militares pretendem e sua forma de agir, pois, se queremos uma real democracia, não uma republiqueta tutelada pela espada, precisamos demonstrar que como sociedade não somos ameaça existencial a eles, afinal, que país soberano, sobretudo periférico, não possui suas próprias forças de defesa? Mas também não somos mera massa de manobra de projetos militares e nem podemos nos posicionar como tal.

Para dizer a verdade, até os recentes eventos, eu também acreditava que os militares brasileiros eram burocratas de farda e só se interessavam em questões corporativas e salariais, mas esse livro foi um divisor de águas.

É um livro indispensável para um aprofundamento do entendimento de como funcionam as dinâmicas de poder atualmente em nosso país.


Deixe um comentário